segunda-feira, 27 de junho de 2011

Fênix

Ela se permitiu uma semana de tristeza profunda, mas sabia que dali pra frente, a vida tinha que continuar. Tinha que continuar porque ela era só uma, porque ela era a vida toda mas era também aqueles segundos perdidos no limbo entre ser ou só existir. Ela era o seu aniversário chegando, mas era também aquele fim de domingo que você gastou no sofá, assistindo ao que nem te interessava. Era a noite maravilhosa que você ainda vai ter, mas também era o passeio com sua cachorra na pracinha que você adora adiar. Ela é o feriado ótimo que foi. E é a segunda que vem, com compromissos, protocolos, responsabilidades, sim, mas sua segunda, vê se põe alguma cor nela. Uma cor da sua aquarela, ainda que sejam apenas as linhas tortas que seu punho consegue desenhar. Faça as pazes com o espelho, com a porta, com o seu travesseiro. Ele tá cansado de só ser amassado e ensopado,  de receber mordidas e gritos abafados, de ver você se revirar a noite inteira perseguindo fantasmas ao invés de sonhos. Todo mundo quer te ver sorrir. Querem a moniquinha, a manivela, a rainha, querem qualquer versão de você que não tenha essa sombra escura no rosto. E você também quer, quer mais do que ninguém. Você tem saudade da leveza de só se deixar ser, e acabar sendo. Você tá curiosa pra ver um arco-íris sair daqui de dentro. A ansiedade de repente fez-se tanta que nem mais organizar essas letras fez sentido: vou dormir que amanhã um novo dia me espera. Novo, sinônimo de lindo. 

quarta-feira, 22 de junho de 2011

terça-feira, 14 de junho de 2011

Amor em espiral

Tinha me deitado às três, acordado às cinco, passado por um longo processo seletivo durante toda a manhã, mente fatigada, músculos se queixando, frio, frio. Entrei no ônibus, e a pequena alegria corriqueira: meu lugar favorito estava vazio. Pra mim é sempre um sinal positivo do universo quando vejo ele lá, sozinho a me esperar. Me acomodei, mas hoje não havia em mim espírito para admirar os carros e destinos que voavam pela janela, não havia a fome de passos e olhos e cores de sempre; encostei a cabeça no vidro e deixei que as pálpebras repousassem. Em alguns segundos, senti um toque em meu cabelo. Um engano, um gesto feito ao acaso, pensei. Mas a mão permaneceu. Começou a alisar meus fios, descendo desde a raiz, contornando o espiral dos cachos ao final. Me virei: um sorriso bege e sincero, por detrás do buço grisalho, me aguardava. Desarmada, não pude nem hesitar, só me vi sorrindo de volta, daqueles sorrisos que começam no fígado e sobem, sobem, neurônios acima. Voltei à minha posição original, com o peito aquecido e sentindo cada curva do meu cabelo ser acariciada, agora ainda acompanhada por palavras sussurradas, por mim ininteligíveis. Uma oração, uma canção, não sei dizer. Aos olhos dos outros passageiros, aquela era uma cena bizarra: eu aceitava afagos de mãos desconhecidas, enrugadas, encardidas. E apreciava frases desconexas, possíveis delírios, feitiços, como a uma melodia. Preferiram enxergar macumba, loucura, insensatez. Eu e minha lente tortuosa, metida à prisma... vi veludo, calor, carinho. Eu vi amor. Amor aos meus cachinhos.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Camigrafia

Nunca soube estudar, nunca soube fingir, agora dei para não saber sentir. Tô olhando pra esse computador e ele olhando pra mim. Tô olhando pra essa máquina de escrever e ela tá rindo de mim. Eu costumava ser boa nisso de amar. Sabia poema, tinha um vento que me cheirava à paixão, tinha um calafrio que ia do nariz aos calcanhares. A minha janela era de tinta a óleo, só vocês não sabiam. Ninguém costumava saber. Agora todo mundo lê em mim idiomas que ainda não aprendi. Viro equações, frações; eu coagulo. Minhas artérias tão mapeadas e elas se findam no esgoto. Um lugar verde, um sax no fundo. Quem toca o sax não tem mãos, só um coração maluco. Eu que pus ele lá. E nadei até chegar nessa cadeira dura que tá me olhando de esguelha. Ela é branca e por isso tô sentada aqui, procurando alguma calma, uma vírgula que espanque todos esses pontos finais mal amados, nem chamados, nem bem-vindos. Parede bege não dá inspiração. Eu vejo letras voando e só queria que elas se sentassem comigo. Eu comprei tinta nova, ainda venta, dentro de mim sempre será mais vermelho do que cinza. Os tijolos não estão descascados, são só cambalhotas. Eu vejo luzes cintilantes bueiro abaixo, e uma bromélia usando o perfume do lírio. Vou me fazer em braile que é pra ninguém ler. Vocês deviam aprender a sentir. Hoje e sempre, um novo caderno de caligrafia.