quarta-feira, 2 de maio de 2012

É igual um banho quente, mas


É igual aquele banho quente, gostoso, reconfortante... mas com umas gotinhas geladas pingando. Você olha pra cima, não sabe dizer exatamente de onde vêm aqueles pingos que cortam a maciez do seu banho. Poderiam vir dali, ou mais pra esquerda, ou do outro lado do chuveiro. Fato é que elas caem e atenuam o calmante efeito do morno.

A gente vive nos intervalos entre os banhos frios. Esses que a vida dá na gente, ou que a gente se dá. Hiatos pontuando a satisfação, a plenitude, o bemestarbem. A água quente massageando os músculos um tanto cansados. A água limpa correndo pelo corpo enérgico, levando pro ralo as poluições do mundo. A espuma, carinhosa. Tudo isso desaparece quando as gotas geladas caem - não sei de onde.

E tanto caminho parece de nada ter valido. Aquela felicidade de ontem, cadê? Eu fiz as pazes, paguei as contas, perdoei, pedi perdão. Eu agradeci pelas coisas, eu admirei o azul do céu, vivi dias dando bom dias e sorrisos e pegando sua caneta do chão. Eu abracei minha vida e a chamei de linda - quente, gostoso, aconchegante. Até que as gotas caíram - uma ausência, uma sombra, um arrependimento, uma vontade sufocada, uma saudade encurralada, qualquer dúvida, tudo que não sei saber, eu eu eu, não não não. Neve na pele quente e beijada pelo Sol. Coágulo.

E a vida se monta nesse quebra-cabeça, peças douradas, peças cinzas. Torcendo pra que o outono traga mais raios e menos frustrações. Pra que o banho quente dure, dure, dure. Lave, lave. Cheiroso, gostoso, macio. Até que  o chuveiro seja enfim consertado, e adeus, frias gotas.