domingo, 1 de abril de 2012

Fabiana

Cabelos oleosos de uma chapinha de tresantontem e blusa falsificada da Hollister. Fabiana se preparava para mais uma sexta-feira. Mastigando o chiclete rápido e com a boca aberta, seus dentes se projetavam um pouco pra fora. Dentes brancos de Kolynos. Seu piercing dourado de material inadequado, o celular dentro da calcinha, que podia ser vermelha ou bege. Fabiana ia beber na Praça Sete e depois, ao som de sequências e sequências eletrônicas, procurar um par de lábios. Fabiana trabalhava de segunda à sexta. Entre corredores rosas, blush e reclamações. Trabalhava pra bancar a cerveja, o cigarro Vogue, o motel e a batida eletrônica.

Aos 15 anos, Fabiana amou. Amou como não se deve amar aos 15 anos. Não era um professor de história, mas o homem da sua vida. E se não era ele, nenhum outro havia de ser. Nunca mais o mesmo perfume ou o mesmo meio-sorriso ao falar do Estado Novo. Nunca mais aquela corrente de couro no braço, aquela barba mal compreendida, aquele jeito de quem não queria saber tanto. Mas sabia. Sabia mexer com o mais íntimo centímetro da existência de Fabiana. Ela era gagueira e notas altas, de quem decora todas as faixas do seu artista preferido. Para depois ter um parabéns perante toda a sala, ardendo bochechas e coração.


Mas aquele amor não pôde ser. Não naquele ano. Nem nos que se seguiram.


E Fabiana enterrou o amor. O amor e os homens, até aqueles que poderiam saber serem dela. Fabiana fez de suas amigas, amantes, e media o amor pela habilidade dos dedos e línguas. E trabalhava para pagar o cigarro de menta, a Skol e qualquer suíte.


Ela queria ter ido pra faculdade. Estudar o que já havia aprendido, mas mais, bem mais. Se reencontrar com as palavras que aquela - só ela - boca havia proferido. Tão ontem. Também queria dar meios sorrisos, e se unificar àquele ex - e tão hoje - amor.


Mas Fabiana trabalhava na Pink Biju. Gloss e calça jeans justa, embora odiasse. Não queria aquela argola de alumínio no nariz. Não queria tanta Nova Schin, tantos sabonetes de motel e nem aquele constante cheiro de tabaco. Ela não queria a repetição semanal de botecos, boates e mamilos. A sede que copo-lagoinha nenhum saciava. Ela não queria tantas mãos nos seus quadris, tanta gargalhada, tanto chiclete mascado rápido e com a boca aberta. Ela não queria o falsificado nem o justo. Mas tudo aquilo era todo o nada que Fabiana - não - tinha.


A saia longa e esvoaçante, os cachos libertos ao vento, o jazz nos ouvidos. As mãos que apertavam mãos em vez de bundas. O olhar sem sombra preta, o vinho,  os documentários sobre a Revolução Francesa. As tardes de sábado na grama, as noites de domingo na cama, um lençol limpo e que não recebia só gozo, mas café e livros e beijos nos ombros e olhos preguiçosos e mentes alertas e sonos cansados e sorrisos e sorrisos e sonhos. Pão de queijo saindo do forno, um gato no sofá, um monte de flores na jardineira. A breguice do crochê, a poesia de Vinicius de Moraes, os passeios de bicicleta.


Tudo aquilo ia ter que ficar pra outro dia. Em outra vida.