Não que eu esteja pra falar da morte. Pelo contrário, eu tô pra falar da vida, pra passar os dedos no cabelo dela e admirar sua beleza infinita. Suas possibilidades e paisagens, suas fórmulas e cores, seus caminhos, esquinas, sabores. Até que eu li o texto de uma conhecida, intitulado “Quando eu morrer”. E lembrei do quanto eu queria um lugar pros meus planos póstumos... e aqui estamos nós.
Imagino que, quando eu morrer, as pessoas vão sair procurando vestígios de mim. A gente faz isso, a gente cheira o travesseiro, namora cartas, a gente se abraça aos pedaços de mundo que quem partiu, deixou. E aí, quem sabe, esse blog não seja descoberto? Talvez ele já tenha sido descoberto antes, talvez eu o tenha divulgado... de qualquer forma, penso que, na ocasião da minha morte, essas palavras tenham grandes chances de receber alguma atenção.
E o primeiro passo do manual é fácil: aproveitem o que puder do meu corpo. Doem, mas doem tudo, até os cílios, se houver quem os queira. Não tem porque nada ficar comigo, se já não me há ali. Estarei em outro lugar, voando, admirando a vida de cima, de mãos dadas com um pássaro, me permeando de azul.
Tendo levado tudo o que pode ser útil a outras pessoas – e eu realmente espero poder ajudar – sobra o que deve ser cremado. Se a vida fosse Hollywood e houvesse chance de eu estrelar uma cena de comédia sendo cheirada pelo meu genro, eu até topava, fazer mais alguém rir, uma última palhaçada. Mas dada a realidade de que eu não quero ficar num vaso de porcelana assombrando a sala de jantar de ninguém, vocês terão que dar um fim nas minhas cinzas.
Eu queria mesmo era ser jogada no mar. Porque é clichê e bonito. Dá a impressão de que vou estar em todos os lugares, mesmo estando em parte alguma. Estarei nadando ou voando ou flutuando, e os três ao mesmo tempo. Não vai haver um altar para abrigar todos os rituais sem sentido que perpetuamos. Quem quiser falar comigo, poderá falar em pensamento, em qualquer lugar, sob qualquer circunstância. E as flores que me seriam presenteadas, podem deixá-las na natureza. Alimentando abelhas, ornamentando jardins, protagonizando desenhos. Eu as verei lá de cima.
Mas, mineira que sou, esse mar pra me abrigar não haverá de estar muito perto. Então chega o verdadeiro último pedido: viajem. Viajem juntos. Não sei quantos, mas visualizo alguns ‘quens’. Viajem juntos para qualquer praia. Viajem de carro, de carro cheio, entre pessoas, malas e sorrisos. De som ligado e janelas abertas. Façam paradas no caminho, comparem o pão de queijo deles com o nosso. Conversem. Se olhem nos olhos. Eu farei de tudo para pintar de azul esse dia glorioso. Sentem de frente para o mar e riam às minhas custas. Repassem meus porres, meus micos, meus problemas mentais. Façam as bochechas e barrigas doerem, como tantas vezes fazemos – fizemos. Desliguem os celulares, desabotoem a calça, fiquem descalços. Esqueçam seus problemas. Lembrem da juventude, da leveza, de como viver é bom. Façam desse dia um tributo à amizade, à arte de ser feliz em conjunto. Se sintam unidos de novo. Relembrem nossas melhores memórias, e aqueçam o coração com a certeza de que estarei sentada por ali, rindo e me emocionando com vocês. Se abracem.
E então, a vida continua. Seremos separados pela barreira invisível entre a realidade e o que não se sabe saber. Fiquem tranqüilos, eu estarei bem. Estarei repousando, serena, com a minha alma (nunca pequena). E vocês tratem de ser felizes e me darem orgulho por viverem vidas bonitas de se ver.
Além dos meus órgãos, espero que fique aqui na Terra alguns bons conselhos meus, para as horas de indecisão, dúvida e confusão. Espero que fique a lembrança de um colo acolhedor, para os momentos mais solitários. Espero que fique uma marca positiva no mundo, de alguém que tentou, das maneiras que pôde, fazer dele um lugar melhor. Espero que fique o espectro de um riso, pronto para ser reativado a qualquer instante. E, mais que tudo, espero que fiquem sinais de amor, disseminado em pessoas, animais, lugares, páginas, músicas, sorrisos, olhares e corações. Pulsem.