quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

"Quando eu morrer"

Não que eu esteja pra falar da morte. Pelo contrário, eu tô pra falar da vida, pra passar os dedos no cabelo dela e admirar sua beleza infinita. Suas possibilidades e paisagens, suas fórmulas e cores, seus caminhos, esquinas, sabores. Até que eu li o texto de uma conhecida, intitulado “Quando eu morrer”. E lembrei do quanto eu queria um lugar pros meus planos póstumos... e aqui estamos nós.

Imagino que, quando eu morrer, as pessoas vão sair procurando vestígios de mim. A gente faz isso, a gente cheira o travesseiro, namora cartas, a gente se abraça aos pedaços de mundo que quem partiu, deixou. E aí, quem sabe, esse blog não seja descoberto? Talvez ele já tenha sido descoberto antes, talvez eu o tenha divulgado...  de qualquer forma, penso que, na ocasião da minha morte, essas palavras tenham grandes chances de receber alguma atenção.

E o primeiro passo do manual é fácil: aproveitem o que puder do meu corpo. Doem, mas doem tudo, até os cílios, se houver quem os queira. Não tem porque nada ficar comigo, se já não me há ali. Estarei em outro lugar, voando, admirando a vida de cima, de mãos dadas com um pássaro, me permeando de azul.

Tendo levado tudo o que pode ser útil a outras pessoas – e eu realmente espero poder ajudar – sobra o que deve ser cremado. Se a vida fosse Hollywood e houvesse chance de eu estrelar uma cena de comédia sendo cheirada pelo meu genro, eu até topava, fazer mais alguém rir, uma última palhaçada. Mas dada a realidade de que eu não quero ficar num vaso de porcelana assombrando a sala de jantar de ninguém, vocês terão que dar um fim nas minhas cinzas.

Eu queria mesmo era ser jogada no mar. Porque é clichê e bonito. Dá a impressão de que vou estar em todos os lugares, mesmo estando em parte alguma. Estarei nadando ou voando ou flutuando, e os três ao mesmo tempo. Não vai haver um altar para abrigar todos os rituais sem sentido que perpetuamos. Quem quiser falar comigo, poderá falar em pensamento, em qualquer lugar, sob qualquer circunstância. E as flores que me seriam presenteadas, podem deixá-las na natureza. Alimentando abelhas, ornamentando jardins, protagonizando desenhos. Eu as verei lá de cima.

Mas, mineira que sou, esse mar pra me abrigar não haverá de estar muito perto. Então chega o verdadeiro último pedido: viajem. Viajem juntos. Não sei quantos, mas visualizo alguns ‘quens’. Viajem juntos para qualquer praia. Viajem de carro, de carro cheio, entre pessoas, malas e sorrisos. De som ligado e janelas abertas. Façam paradas no caminho, comparem o pão de queijo deles com o nosso. Conversem. Se olhem nos olhos. Eu farei de tudo para pintar de azul esse dia glorioso. Sentem de frente para o mar e riam às minhas custas. Repassem meus porres, meus micos, meus problemas mentais. Façam as bochechas e barrigas doerem, como tantas vezes fazemos – fizemos. Desliguem os celulares, desabotoem a calça, fiquem descalços. Esqueçam seus problemas. Lembrem da juventude, da leveza, de como viver é bom. Façam desse dia um tributo à amizade, à arte de ser feliz em conjunto. Se sintam unidos de novo. Relembrem nossas melhores memórias, e aqueçam o coração com a certeza de que estarei sentada por ali, rindo e me emocionando com vocês. Se abracem.

E então, a vida continua. Seremos separados pela barreira invisível entre a realidade e o que não se sabe saber. Fiquem tranqüilos, eu estarei bem. Estarei repousando, serena, com a minha alma (nunca pequena). E vocês tratem de ser felizes e me darem orgulho por viverem vidas bonitas de se ver.

Além dos meus órgãos, espero que fique aqui na Terra alguns bons conselhos meus, para as horas de indecisão, dúvida e confusão. Espero que fique a lembrança de um colo acolhedor, para os momentos mais solitários. Espero que fique uma marca positiva no mundo, de alguém que tentou, das maneiras que pôde, fazer dele um lugar melhor. Espero que fique o espectro de um riso, pronto para ser reativado a qualquer instante. E, mais que tudo, espero que fiquem sinais de amor, disseminado em pessoas, animais, lugares, páginas, músicas, sorrisos, olhares e corações. Pulsem. 

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

perdida medida

O fato é que eu perdi a medida. Perdi a medida de quantos ‘eu te amo’ são saudáveis, de quantas vezes é normal sentir saudades suas em 24 horas. Não acho a fronteira onde deve acabar o meu amor por você, pra começar o meu amor por mim. Não sei a porcentagem certa para as doses de culpa e de otimismo. Não sei o quanto eu te obrigo a dizer, ou o quanto você diz porque quer. Não sei o quanto eu me obrigo a dizer, pra te lembrar de que sou sua. Não sei se é certo ser assim tão sua. É aqui dentro que meu coração bate e é aqui dentro que as dores doem. Doem sem conseguir sair. Porque sair em palavras leva o peso pra você. Sair em lágrimas deixa a angústia no ar – oxigênio, nitrogênio, e dezenas de coisas que eu não sei resolver. E não sair... não sair deixa esse embaraço aqui dentro, a dúvida sobre o que houve antes e o que há de vir adiante. Já não sei acreditar nas suas palavras. Já não sei achar suficiente o que existe – talvez porque meus sentimentos tenham extrapolado o suficiente. Extrapolei a medida. A medida entre eu e todo o resto do mundo. Entre eu, você e tudo. Não sei mais quando o ciúme se torna absurdo, quando minha tristeza se torna um fardo, quando as minhas palavras desesperam. Eu só sei imaginar fora da régua. E você não me traz pra realidade. Eu sigo em curvas, procurando um sentimento que eu possa adotar, uma frase que vá fazer sentido, uma exigência que caiba no novo quadro que se pintou. Eu procuro esboços daquele quadro antigo. Eu rabisco rascunhos para uma próxima paisagem... e, no entanto, o presente se desenha sozinho. Uma confusão de riscos que eu não sei ler. Não sei onde está o nosso lugar, o lugar do nosso amor. Não sei onde tem um banco onde a gente poderia repousar em silêncio, de mãos dadas, vendo o tempo passar. Não sei que parte sua procura por esse espaço, e nem qual pedaço de mim vai conseguir sobreviver se ele não existir. Não sei quando calar e quando dizer; não sei quando me entregar e quando ser forte; não sei quando te deixar ir. Não sei quando te deixar ir. Não sei como deixar que você se vá. Não sei se você está indo. Não sei se eu estou te empurrando. Não sei se minhas mãos ainda agüentam segurar qualquer pedaço da sua blusa... não sei com que força eu ia querer apertar, e com que intensidade você se esquivaria. O vento bate e eu não consigo entender se então o amor se tornou isso. Uma pintura abstrata que nada diz, nada assegura. E deverá o artista insistir? Em pinceis que cansaram de ser manuseados? Acho que a cor desbota porque quer. Porque um dia o vermelho cansa as vistas, e alguém sai pra procurar um branco, longe em outros horizontes. O vermelho é uma cor forte, que não dá pra confundir. Eu já não vejo vermelho. Eu vejo suas mãos cansadas acenando tchau. Me vejo num porto vendo o barco zarpar. O grito, as lágrimas, o bater de pés – nada alcança a embarcação, que enfrenta as ondas e desbrava o mar. O som de um choro lá é o piar de um pássaro. E se incomoda, alguns passos o silenciam. Quem chora, sente a força se esvair. Quem assovia, deixa ser leve a vida que segue.


Eu vou esperar que o vermelho volte, que o coração se assente numa poltrona confortável e seca de quaisquer lágrimas. Eu vou esperar que medidas passem a ser instintos e não esforços – que eu volte a saber quanto amor uma pessoa pode sentir, para não exigir do meu corpo algo que ele já não consegue suportar. Vou esperar um sorriso seu de volta, espontâneo. Vou esperar um abraço sincero, um beijo sem pena, sem peso, sem dilema. Vou esperar uma flauta que ressona e que de repente são suas palavras de amor, aquecendo meu peito nesse verão infernalmente gélido. Vou esperar que sejamos suficientes – eu, você e o amor. Que as dúvidas cessem, que as lágrimas sequem, que o nó se desfaça. Que eu encontre palavras que possam ser minhas, um olhar pra chamar de meu, um beijo onde eu possa fazer casa, sem nunca mais ter que me perguntar qual é a medida do amor.